Após pressão interna e externa e a tentativa de um acordão com o governo Jair Bolsonaro (PSL), o Senado recuou, desistiu de afrouxar as regras eleitorais e deixou para a Câmara dos Deputados um eventual desgaste com mudanças que beneficiariam partidos e políticos.
A proposta aprovada pelos deputados ampliava brechas para caixa dois e reduzia a possibilidade de punição por irregularidades, além de esvaziar os mecanismos de controle e transparência no uso de verbas públicas eleitorais.
Nesta terça (17), os senadores aprovaram apenas uma nova regra para garantir a manutenção do financiamento das campanhas pelo fundo eleitoral.
Como o texto foi modificado na Casa, terá que retornar à Câmara para análise dos deputados —para que passe a valer já em 2020, o projeto precisa ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) até de 4 de outubro, um ano antes da data marcada para o primeiro turno.
A proposta inicial contava com apoio de 15 partidos e dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (AP), ambos do DEM.
O Senado tentou na semana passada aprovar a medida também a toque de caixa, mas a pressão de alguns parlamentares e de entidades da sociedade civil acabou adiando a análise.
Nesta terça, buscou-se um acordo com o governo de Jair Bolsonaro para salvar alguns pontos, mas a repercussão contrária acabou levando líderes partidários a optar pela rejeição de praticamente todo o projeto.
Em votação simbólica, ou seja, sem registro nominal dos votos, o plenário do Senado aprovou um texto enxuto, assegurando apenas a verba do fundo eleitoral —uma das fontes públicas de verba para as campanhas políticas—, sem a definição do valor.
Com a modificação, o texto retorna para uma segunda análise da Câmara, nesta quarta-feira (18). A Casa pode acatar a decisão do Senado ou rejeitá-la e resgatar o que havia decidido inicialmente.
Os deputados são, nesse caso, responsáveis pela palavra final do texto antes de seguir para sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro.
Na prática, os deputados ainda podem rejeitar a versão do Senado e retomar a proposta inicial, mas assumiriam sozinhos um desgaste político, além do risco de vetos presidenciais futuros.
Líderes do centrão na Câmara disseram que ainda vão se reunir na manhã de quarta para discutir esse tema. Parte do grupo discutia a possibilidade de aprovar o texto original com algumas alterações, deixando para Bolsonaro a responsabilidade de fazer vetos.
“Esta partitura, muito mal escrita pela Câmara, hoje vai voltar para lá. E espero que eles aprendam a lição, que esta é uma Casa revisora, não carimbadora. Nós não estamos aqui para, a toque de caixa, em 12 horas, em uma hora, em 24 horas, ratificar o que quer que seja que vem da Câmara dos Deputados”, afirmou a senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Davi disse em rede social que a Casa buscou “corrigir o texto aprovado pelos deputados”. “O valor do financiamento de campanha será mantido e as demais regras serão rejeitadas.”
O fundo eleitoral foi criado em 2017 com validade apenas para a eleição de 2018. Se o trecho da lei que estende a medida não for sancionado até o dia 4, as eleições do ano que vem não contarão com essa forma de financiamento.
Apesar da fala de Davi, o projeto em tramitação não define valores —isso só será decidido no fim deste ano, na votação do Orçamento-2020. A expectativa é que seja mantida a mesma quantia de 2018, R$ 1,7 bilhão.
O principal ponto do projeto que reduzia a transparência no uso pelos partidos das verbas públicas era o que permitia o uso de qualquer modelo eletrônico de prestação de contas. Isso acabaria com a padronização usada pela Justiça Eleitoral, o que dificultaria enormemente o trabalho de fiscalização feita pelas autoridades e pela população.
Sobre o uso das verbas —pelo menos R$ 2,7 bilhões distribuídos aos partidos em ano eleitoral—, o texto abria um leque de novas possibilidades de gasto, como a compra de passagens aéreas até para não filiados e a aquisição de sedes partidárias.
Além disso, ficaria muito difícil a punição pelo mau uso do dinheiro público.
Seria preciso provar dolo do dirigente partidário ou do candidato, ou seja, que ele agiu com conhecimento e intenção de cometer um crime. Erros, omissões e atrasos na prestação de contas seriam perdoados caso corrigidos até o julgamento, benefício que seria estendido a todos os casos em andamento.
Outro ponto bastante questionado era a possibilidade de uso das verbas para contratar consultoria contábil e advocatícia para “interesse direto e indireto do partido”, sem que esse valor contasse para o teto de gastos das campanhas —ampliando as brechas para o caixa dois, segundo especialistas.
O projeto também permitia o uso das verbas para impulsionamento de conteúdo das legendas na internet, além da volta da obrigatoriedade da propaganda partidária no rádio e na TV.
A primeira votação na Câmara, no dia 3 de setembro, durou 1 hora e meia, mas quase nenhum dos pontos do projeto foi abordado.
Deputados gastaram a maior parte da sessão discutindo o valor do fundo eleitoral, decisão que não consta na proposta, e outros temas, como as mensagens da Lava Jato e até a demissão de motoristas e cobradores em Salvador.
Às 23h32, Rodrigo Maia anunciou a aprovação do texto-base por 263 votos contra 144.
Da Folha
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